domingo, 6 de maio de 2012

Böhm-Bawerk dá o Exemplo de Cinco Socialistas que Construíram uma Máquina a Vapor e Receberam Pagamento Desigual mas Justo


Em nosso primeiro exemplo abstraí o fator divisão de trabalho. Agora, farei uma mudança nas circunstâncias, aproximando-as mais da realidade da vida econômica. Vamos, pois, presumir que cinco trabalhadores participaram na feitura dessa máquina, cada um deles contribuindo com um ano de trabalho. Talvez um dos trabalhadores extraísse da mina o minério necessário, o segundo preparasse o ferro, o terceiro o transformasse em aço, o quarto fabricasse com o aço as peças necessárias, e o quinto, por fim, as organizasse devidamente e desse a última demão no trabalho. Como cada trabalhador, pela natureza do processo, só pode começar quando o anterior tiver concluído seu trabalho, os cinco anos de trabalho de nossos homens não seriam simultâneos, mas subsequentes. Portanto, como no primeiro exemplo, a produção da máquina demoraria cinco anos. O valor da máquina pronta continua sendo 5.500 dólares. Segundo o princípio de que o trabalhador deve receber todo o valor do produto de seu trabalho, quanto poderá exigir cada um dos cinco participantes pelo que realizou? 

Solucionemos primeiro o problema considerando o caso de os salários se dividirem entre os trabalhadores, sem intervenção de um empresário: o produto obtido será simplesmente dividido entre os cinco. Nesse caso, duas coisas são certas: primeiro, que a divisão só poderá ocorrer depois de cinco anos, porque antes não existirá nada adequado para se dividir; se quiséssemos, por exemplo, usar o minério e o ferro [p. 268] obtidos nos dois primeiros anos como pagamento de cada um, faltaria matéria-prima para a continuação da obra. É claro que o produto prévio conseguido nos primeiros anos tem de ser necessariamente isento de qualquer divisão, ficando preso à produção até o fim. Segundo, é certo que um valor total de 5.500 dólares terá de ser dividido entre cinco trabalhadores. 

Mas, em que proporção? 

Esta divisão não deveria, certamente, ser feita em partes iguais, como se poderia pensar numa primeira visão superficial: isso favoreceria grandemente os trabalhadores que fizessem seu trabalho num estágio mais avançado da produção. A pessoa que trabalhasse no acabamento da máquina receberia pelo seu ano de trabalho os 1.100 dólares imediatamente depois de terminar seu trabalho. O que tivesse produzido as peças receberia a mesma quantia, mas teria tido de esperar um ano inteiro para receber seu salário. O que tivesse extraído o minério receberia o mesmo pagamento quatro anos depois de trabalhar. Como é impossível que tal atraso não fizesse diferença para os trabalhadores, todos iriam querer executar o trabalho final, cujo pagamento não sofreria atraso algum, e ninguém iria querer assumir os trabalhos preparatórios. 


Para encontrar quem os executasse, os trabalhadores das fases finais seriam forçados a ceder aos colegas que os antecedessem uma recompensa pelo atraso, na forma de uma participação maior no valor final do produto. O montante dessa diferença dependeria em parte da demora do atraso, em parte da diferença que existe entre a valorização de bens presentes e a de bens futuros, de acordo com as condições econômicas e culturais de nossa pequena sociedade. Se essa diferença for, por exemplo, 5%, as partes dos cinco trabalhadores ficariam assim distribuídas:

O primeiro trabalhador, que tem de esperar mais quatro anos depois de concluído seu trabalho, receberá ao fim 

Do quinto ano                             1.200
O segundo, que esperará três anos 1.150
O terceiro, que esperará dois anos 1.100
O quarto, que esperará um ano      1.050
O último, que receberá o salário logo
depois de concluído seu trabalho    1.000

Total 5.500


Só se poderia imaginar todos os trabalhadores recebendo o mesmo salário de 1.100 a partir do pressuposto de que a diferença de tempo não tivesse para eles qualquer importância, de que se satisfizessem com 1.100 dólares recebidos três ou quatro anos depois, considerando-se tão bem pagos como se recebessem esta quantia logo depois da conclusão do trabalho. Não creio ser necessário dizer que essa pressuposição nunca é correta, nem pode ser. Por outro lado, é totalmente impossível que cada um receba 1.100 dólares imediatamente depois de executado o trabalho, a não ser com a intromissão de uma terceira parte. 

Talvez valha a pena, de passagem, chamar atenção para uma circunstância especial. Não creio que alguém julgue injusto o esquema de distribuição feito acima; não é, também, o caso de se poder falar em injustiça do empresário, pois os trabalhadores dividiram seu produto unicamente entre eles. Mesmo assim, aquele trabalhador que executou o penúltimo trabalho não receberá um quinto completo do valor final do produto, mas apenas 1.050 dólares, e o último trabalhador receberá, ao cabo, apenas 1.000. 

Vamos presumir, agora, o que em geral acontece na realidade: que os trabalhadores não podem ou não querem esperar o fim do trabalho todo para receberem seu salário, e que façam um acordo com o empresário, para obterem dele, no fim do seu trabalho, um salário em troca do qual ele, o empresário, será dono do produto final. Vamos fazer mais: vamos imaginar que esse empresário é um homem justo e desprendido, que jamais se aproveitaria de uma situação difícil dos trabalhadores para baixar com usura o salário deles. Indaguemos, agora: em que condições se fará tal contrato de salário, numa situação dessas? 

Pergunta bastante fácil de responder. Obviamente os trabalhadores terão tratamento justo, se o empresário lhes oferecer como salário o mesmo que teriam recebido como cota no caso de uma produção independente. Esse princípio nos fornece um critério fixo para aquele trabalhador que, no nosso exemplo, teria recebido 1.000 dólares logo depois de cumprir seu trabalho. Para ser inteiramente justo, é essa a quantia que o empresário deverá oferecer-lhe. Para os outros quatro trabalhadores, no entanto, o princípio acima fixado não fornecerá nenhum critério direto. Como o momento de pagar no caso do nosso exemplo será diferente do momento de pagar se ocorresse uma distribuição de cotas, não nos podemos valer das cifras dessa distribuição como padrão. Mas temos outro critério fixo: como os cinco trabalhadores realizaram o mesmo para seu trabalho, merecem, com justiça, o mesmo salário; e este se expressará numa cifra igual, agora que cada trabalhador será pago imediatamente após seu trabalho. Portanto, de maneira justa, todos os cinco trabalhadores receberão 1.000 dólares cada um ao fim do seu ano de trabalho.

Se alguém pensar que é muito pouco, dar-lhe-ei o seguinte exemplo bastante fácil, que provará que os trabalhadores recebem exatamente o mesmo valor que receberiam numa distribuição — absolutamente justa — do produto inteiro entre eles. O trabalhador n° 5 recebe, no caso de uma distribuição, 1.000 dólares logo no fim do seu ano de serviço e, no caso de um contrato de salário, a mesma quantia no mesmo tempo. O trabalhador n° 4 recebe, no caso de distribuição, 1.050 dólares, um ano depois de concluído seu ano de trabalho; tratando-se de contrato de salário, receberia 1.000 imediatamente depois do ano de trabalho. Se durante um ano colocar essa quantia a juros, estará exatamente na mesma situação em que estaria no caso de uma distribuição de cotas: terá 1.050 dólares um ano depois de concluir seu trabalho. O trabalhador n° 3 recebe, com a distribuição de cotas, 1.100 dólares dois anos depois de terminar seu trabalho; no caso de um contrato de salário, os 1.000 que receberia imediatamente, a juros, cresceriam para 1.100 dólares no mesmo período. E, assim, finalmente, os 1.000 dólares que os trabalhadores 1 e 2 recebem, com o acréscimo dos juros, completarão perfeitamente os 1.200 e 1.150 dólares que teriam recebido em caso de distribuição de cotas, quatro e três anos depois de concluído seu serviço. Mas se cada salário se equipara à cota de distribuição equivalente, naturalmente a soma dos salários deve equiparar-se à soma de todas as cotas: a soma de 5.000 dólares, que o empresário paga a seus trabalhadores diretamente depois de executarem seu trabalho vale exatamente o mesmo que os 5.500 dólares que poderiam ser repartidos entre os trabalhadores, ao fim de cinco anos.*** 

Um pagamento maior, por exemplo um salário, pelo trabalho anual, de 1.100 dólares cada um, só seria imaginável ou se o que faz diferença para os trabalhadores, ou seja, defasagem de tempo, fosse totalmente indiferente para o empresário, ou se o empresário quisesse presentear aos trabalhadores a diferença de valor entre os 1.100 dólares presentes e futuros. 

Via de regra não se deve esperar nem unia coisa nem outra de empresários privados, e não os devemos, por isso, criticar nem muito menos dizer que cometem exploração, injustiça ou roubo. Existe só uma pessoa de quem os trabalhadores podem esperar, como regra, aquele comportamento: o estado. Este, como entidade permanente que é, não precisa ligar tanto para a diferença de tempo entre o fornecimento e o pagamento de bens quanto os indivíduos, que têm uma existência breve. O estado — cujo objetivo mais importante é o bem-estar de todos os seus membros —, quando se trata de um bom número destes membros, pode abandonar sua postura rígida de pagar contra fornecimento e presentear em lugar de negociar. Assim, seria concebível que o estado, e só ele, aparecendo como um gigantesco empresário da produção, oferecesse aos trabalhadores, assim que o trabalho destes terminasse, o futuro valor total do seu futuro produto, em forma de salário. Se o estado deve fazer isso — resolvendo praticamente a questão social, em termos de socialismo —, é um problema de oportunidade, que não abordarei mais minuciosamente aqui. Repito, porém, com toda a ênfase: se o estado socialista paga aos trabalhadores como salário, agora, todo o valor futuro do seu produto [p. 271], isso não é o cumprimento de algum acordo mas, por motivos político-sociais, um desvio do princípio básico de que o trabalhador deve receber, como salário, o valor do seu produto. Portanto, não se trata da restauração de uma condição que, por natureza ou por direito, foi violada pela ambição dos capitalistas; trata-se, sim, de um gesto artificial, a partir do qual algo que não seria exequível no curso natural das coisas torna-se possível. E isso acontece através de um disfarçado presente dessa generosa entidade chamada estado aos seus membros mais pobres.


*** Stolzmann, Soziale Kategorie (p. 305 ss.) fez, em relação a este exemplo, algumas objeções que me parecem bastante secundárias, além de errôneas. Partindo da opinião equivocada de que em meu grupo de trabalhadores eu quis apresentar — ou teria apresentado — uma espécie de arquétipo, um pequeno estado com economia independente e fechada em si mesma, ele argumenta que também o último trabalhador “não poderia fazer nada com a máquina pronta, não poderia prolongar com ela um só dia de sua vida” (307). Argumenta, ainda, que o pagamento do primeiro trabalhador, de 1.200 dólares ao cabo do quinto ano, é uma recompensa insuficiente para sua espera de cinco anos. “Se nesse longo tempo ele não morresse de fome” — afirma o autor da objeção — enquanto “fosse forçado a deixar no regaço as mãos ociosas e inúteis”, deveria receber o pagamento por cinco anos inteiros, isto é, 5.000 dólares (308). Direi apenas, em relação a isso, que não tive intenção de dar como exemplo algum arquétipo isolado, mas pretendi descrever, e descrevi, uma sociedade de cinco pessoas, dentro da moderna vida econômica, ocupada num trabalho de produção: a construção de uma máquina. Remeto às claras palavras que usei para expressar as condições de meu exemplo, nestas páginas. Nesse exemplo fala-se, entre outras coisas, do “valor de troca” da máquina acabada. No exemplo em questão, fiz abstração apenas da divisão do trabalho — e assim mesmo só de passagem — relacionado à fabricação daquela máquina. Por isso não se pode dizer, também, que os participantes daquela operação produtiva fossem forçados a permanecer ociosos quando não estavam ocupados com ela. E quando na p. 313 Stoizmann me acusa de um “gravis error dupli” pelo fato de eu julgar possível que um dos trabalhadores pudesse colocar a juros até o fim do quinto ano seu salário, recebido antes dos outros, e de, com isso, ter feito o que ele chama de “rotular os trabalhadores de capitalistas junto com os empresários”, devo dizer que não há, no meu exemplo, uma só palavra que exclua a possibilidade de que um ou outro dos participantes pudesse ter meios que lhe permitissem essa espera. Ao contrário, nas pp. 346 e 351 pressupus expressamente a alternativa de que os trabalhadores “não possam ou não queiram esperar”. Essa passagem foi erroneamente citada por Stolzmann nas pp. 307 e 309 como “não  possam e não queiram esperar”.

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