sexta-feira, 29 de março de 2013

Grécia, Euro e "austeridade para quê, né?"

A  tragédia do euro e o caso da Grécia******


Os eventos fiscais na Grécia são exemplares da tragédia do euro e seus incentivos perversos. Quando a Grécia entrou na União Monetária Europeia, três fatores se combinaram para gerar déficits excessivos no orçamento do país. Primeiro, a Grécia foi admitida a uma taxa de câmbio muito alta. Com essa taxa e com os salários vigentes, muitos trabalhadores se tornaram pouco competitivos em relação aos trabalhadores dos países do norte, muito mais capitalizados. Para aliviar esse problema, as alternativas eram (1) reduzir os salários para aumentar a produtividade, (2) aumentar os gastos governamentais para subsidiar os desempregados (com seguro-desemprego ou esquemas de aposentadoria prematura), ou (3) empregar esses trabalhadores pouco competitivos diretamente no setor público.

Por causa dos poderosos sindicatos, a primeira alternativa foi deixada de lado. Os políticos optaram pela segunda e terceira alternativas, as quais geraram altos déficits orçamentários.

Segundo, por ter entrado na União Monetária Europeia, o governo grego podia agora contar com uma garantia implícita de socorro do Banco Central Europeu e dos outros países-membros da UME. As taxas de juros sobre os títulos da dívida do governo grego caíram para níveis próximos dos da Alemanha. Consequentemente, os custos marginais de se incorrer em déficits foram reduzidos para o governo grego. As taxas de juros estavam agora artificialmente baixas. A Grécia era um país que já tinha dado vários calotes ao longo do século XX e que estava acostumado a altas taxas de inflação e a altos déficits, bem como a um crônico déficit na balança comercial. Apesar disto tudo, o país passou a poder se endividar pagando praticamente as mesmas taxas de juros da Alemanha, um país com um histórico fiscal conservador e com um impressionante saldo na balança comercial.

Terceiro, a tragédia dos comuns entra em cena. Os efeitos deste temerário comportamento fiscal do governo grego podia ser parcialmente externalizado para os outros membros da UME, uma vez que o Banco Central Europeu passou a aceitar títulos da dívida do governo grego como colateral para suas operações junto ao sistema bancário. Os bancos europeus passaram a comprar títulos do governo grego (os quais pagavam um bônus em relação aos títulos do governo alemão) e a utilizar esses títulos para receber empréstimos do BCE a juros baixos (atualmente a juros de 1%, um negócio altamente lucrativo).

Os bancos compraram títulos gregos porque sabiam que o BCE iria aceitar esses títulos como colateral para conceder novos empréstimos. Havia demanda por esses títulos gregos porque os juros que os bancos pagavam para o BCE eram menores do que os juros que os bancos recebiam do governo grego. Caso o BCE não aceitasse os títulos gregos como colateral para seus empréstimos, a Grécia teria de pagar juros muito maiores sobre sua dívida. Com efeito, o governo grego tem sido de certa forma socorrido ou sustentado pelo resto da UME por um longo tempo, em um perfeito exemplo da tragédia dos comuns.

Os custos dos déficits gregos foram parcialmente jogados para outros países da UME. O BCE criou novos euros ao aceitar os títulos do governo grego como colateral. As dívidas gregas foram assim monetizadas. Com o dinheiro que recebeu com a venda de seus títulos, o governo grego elevou os gastos para ganhar apoio e popularidade junto à população grega. Quando os preços começaram a subir na Grécia, o dinheiro fluiu para os outros países, elevando os preços no resto da UME. Nos outros países-membros, as pessoas começaram a sentir os preços de suas compras subindo mais rapidamente do que suas rendas. Esse mecanismo significou uma redistribuição de renda a favor da Grécia. O governo grego estava sendo socorrido e auxiliado pelo resto da UME em uma constante transferência de poder de compra.


****Final do nono cápítulo do Livro linkado acima [ "A tragédia do EURO", de Bagus]

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