domingo, 29 de abril de 2012

Rothbard, no "A Ética da Liberdade"


Defesa Própria


Se todo homem possui o direito absoluto a sua propriedade justamente adquirida então logo ele tem o direito de resguardar esta propriedade — de defendê-la através da violência de invasões violentas. Pacifistas incondicionais que também declaram acreditar nos direitos de propriedade — como Robert LeFevre — caem em uma inevitável autocontradição: pois se um homem possui uma propriedade e porém lhe é negado o direito de defendê-la de ataques, então está claro que ele está sendo privado de um aspecto muito importante desta propriedade. 

Dizer que alguém possui o direito absoluto a alguma propriedade, mas não o direito de defendê-la contra ataques ou invasões é o mesmo que dizer que ele não possui pleno direito a esta propriedade. Além disso, se todo homem possui o direito de defender sua pessoa e propriedade contra ataques, então ele tem que ter também o direito de contratar ou aceitar a ajuda de outras pessoas para fazer esta defesa: ele pode empregar ou aceitar protetores assim como ele pode empregar ou aceitar os serviços voluntários de jardineiros para seu gramado. 

Até onde se estende o direito de um homem de defender a si mesmo e a sua propriedade? A resposta básica deve ser: até o ponto em que ele começa a infringir os direitos de propriedade de outros. Pois, neste caso, sua “defesa” se equivaleria a uma invasão criminosa da justa propriedade de algum outro homem, a qual ele poderia corretamente se defender contra. 

Segue-se que a defesa violenta só pode ser usada contra uma invasão real ou iminente contra a propriedade de uma pessoa — e não pode ser usada contra qualquer “prejuízo” não violento que possa incorrer sobre o rendimento da pessoa ou o valor da propriedade. Deste modo suponha que A, B, C, D ... etc. decidam, por qualquer razão, boicotar as vendas dos produtos da fábrica ou da loja de Silva. Eles fazem piquetes, distribuem panfletos e fazem discursos — tudo isso de forma não invasiva — invocando todos a boicotarem Silva. O Silva pode sofrer uma perda considerável de rendimento, e eles podem muito bem estar fazendo isso por razões triviais ou até imorais; mas permanece o fato de que organizar tal boicote está perfeitamente dentro dos direitos deles, e que se Silva tentasse usar violência para dissolver as atividades deste boicote ele seria um invasor criminoso da propriedade deles. 

A violência defensiva, portanto, tem que estar restrita a resistência a atos invasivos contra a pessoa ou a propriedade. Mas devem estar contidos nesta invasão dois corolários a verdadeira agressão física: intimidação, ou uma ameaça direta de violência física; e fraude, que envolve a apropriação da propriedade de outra pessoa sem o consentimento dela, e é, portanto, “roubo implícito”. 

Deste modo, suponha que alguém se aproxime de você na rua, saque um revolver e exija sua carteira. Ele pode não ter molestado fisicamente você durante este encontro, mas ele retirou dinheiro de você nas bases de uma ameaça direta e evidente de que ele iria atirar em você se você desobedecesse a seu comando. Ele utilizou a ameaça de invasão para obter sua obediência ao comando dele, e isto é equivalente a invasão propriamente dita. 

No entanto, é importante ressaltar que a ameaça de agressão seja palpável, imediata e direta; em suma, que ela esteja incorporada à iniciação de um ato evidente. Qualquer critério remoto ou indireto — qualquer “risco” ou “ameaça” — é simplesmente uma desculpa para ações invasivas dos supostos “defensores” das alegadas “ameaças”. Um dos principais argumentos, por exemplo, da proibição do álcool nos anos de 1920 era que o consumo de álcool aumentava a probabilidade de as pessoas (indefinidas) cometerem diversos crimes; portanto, a proibição apoiava-se no que seria um ato “defensivo” em defesa das pessoas e de suas propriedades. Na verdade, obviamente, ela era uma invasão brutal dos direitos as pessoas e as propriedades, do direito de comprar, vender e consumir bebidas alcoólicas. Do mesmo modo, poderia ser afirmado que (a) a ingestão insuficiente de vitaminas torna as pessoas mais nervosas, que, (b) logo esta insuficiência irá provavelmente aumentar a criminalidade, e que portanto, (c) todo mundo deveria ser forçado a tomar a quantidade diária adequada de vitaminas. Uma vez que introduzimos “ameaças” a pessoa e a propriedade que sejam vagas e futuras — i.e., que não sejam evidentes e imediatas — então toda forma de tirania se torna desculpável. O único jeito de se defender de tal despotismo é manter claro, imediato e evidente o critério para invasões perceptíveis. Pois, no inevitável caso de ações vagas e obscuras, nós temos que nos esforçar ao máximo para exigir que uma ameaça de invasão seja direta e imediata, e então deixar as pessoas fazerem qualquer outra coisa que elas estejam fazendo. Em resumo, o ônus da prova de que a agressão realmente já teve início deve caber a pessoa que se utiliza de violência defensiva. 

A definição de “fraude” como “roubo implícito” origina-se do direito de livre contrato, que por sua vez é derivado dos direitos de propriedade privada. Deste modo, suponha que Silva e Alves concordam com uma troca contratual de títulos de propriedade: Silva pagará $1000 em troca do carro de Alves. Se Silva se apropriar do carro e então se recusar a transferir os $1000 a Alves,  então, na realidade Silva roubou os $1000; Silva é um agressor perante os $1000 que agora pertencem devidamente a Alves. Deste modo, não cumprir os termos de um contrato deste tipo é a mesma coisa que roubar e, portanto, é a mesma coisa que uma apropriação física da propriedade de outra pessoa pelo menos tão “violenta” quanto uma transgressão ou um mero roubo sem arma. 

Adulteração fraudulenta é igualmente um roubo implícito. Se Silva paga $1000 e recebe de Alves um carro mais velho e mais simples do que o tipo de carro especificado, isto também é roubo implícito: mais uma vez, a propriedade de alguém foi apropriada em um contrato, sem que a propriedade da outra pessoa tenha sido transferida para ela conforme acordado. 

Porém não podemos nos deixar cair na armadilha de acreditar que todos os contratos, quaisquer que sejam suas naturezas, devem que ser executáveis (i.e., que a violência possa ser justamente usada para obrigar seus cumprimentos). A única razão pela qual os contratos acima são executáveis é que a quebra de tais contratos implica em um roubo de propriedade implícito. Aqueles contratos que não envolvem roubo implícito não deveriam ser executáveis em uma sociedade libertária. Suponha, por exemplo, que A e B façam um acordo, um “contrato”, para se casarem dali a seis meses; ou que A prometa que, dentro do prazo de seis meses, ele dará a B uma certa quantia em dinheiro. Se A quebra este acordo, ele talvez possa ser repreendido moralmente, mas ele não roubou implicitamente a propriedade de outra pessoa e, portanto, tal contrato não pode ser forçado. Usar violência para forçar A a cumprir os termos destes contratos seria a mesmíssima coisa que uma invasão criminosa dos direitos de A como seria se Silva decidisse usar violência contra os homens que boicotaram sua loja. Simples promessas, portanto, não são contratos justamente executáveis, porque quebrá-los não envolve invasão de propriedade ou roubo implícito. Contratos de débito são devidamente executáveis, não porque envolvem uma promessa, mas porque a propriedade do credor é apropriada sem o seu consentimento — i.e., roubada— se o débito não é quitado. Deste modo, se João empresta a Pedro $1000 neste ano em troca de receber $1100 no próximo ano, e Pedro falta com o pagamento dos $1100, a conclusão correta é que Pedro se apropriou de $1100 da propriedade de João, que Pedro se recusa a transferir — que portanto lhe roubou. Esta maneira legal de tratar um débito — de considerar que o credor possui uma propriedade sobre o débito — deveria ser aplicada a todos os contratos de débito. 

Portanto, não compete à lei — ou, melhor dizendo, às regras e aos instrumentos pelos quais a pessoa e a propriedade são defendidas através da violência — tornar as pessoas morais através do uso da violência legal. Não é serviço apropriado da lei fazer as pessoas cumprirem suas promessas ou serem confiáveis. Compete à violência legal defender as pessoas e suas propriedades de ataques violentos, do molestamento ou da apropriação de suas propriedades sem os seus consentimentos. E mais — dizer, por exemplo, que meras promessas podem ser adequadamente forçadas — é promover um fetiche injustificado dos “contratos” enquanto se esquece porque alguns deles podem ser forçados: em defesa dos justos direitos de propriedade. 


(tenho verdadeira estima por esse livro, o primeiro "austríaco" que li)

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