segunda-feira, 16 de abril de 2012

Liberdade e a Lei, de Bruno Leoni [Liberdade e representação]

"Em suma: existe muito mais legislação, decisões de grupo, escolhas rígidas, muito poucas “leis escritas nas tábuas”, muito menos decisões individuais e muito menos escolhas livres, era todos os sistemas políticos contemporâneos, do que seria necessário para preservar a liberdade individual de escolha. Não digo que devêssemos passar completamente sem legislação e abandonar as decisões de grupo e as regras de maioria, tudo isso para recobrar a liberdade individual de escolha em todos os campos nos quais a perdemos. Concordo plenamente que em alguns casos as questões envolvidas preocupam a todos, e que estas não podem ser resolvidas pelo ajuste espontâneo e as escolhas mutuamente compatíveis dos indivíduos. Não há qualquer evidência histórica de que tenha mesmo existido um estado de coisas anárquico como o que resultaria se a legislação, as decisões de grupo e a coerção sobre a escolha individual fossem eliminadas. 

Entretanto, estou convencido de que, quanto mais tratarmos de reduzir o grande espaço atualmente ocupado pelas decisões de grupo em política e no direito, com toda sua parafernália de eleições, legislação etc., mais bem-sucedidos seremos em estabelecer um estado de coisas semelhante ao que prevalece no domínio da linguagem, do direito consuetudinário, do livre mercado, da moda, dos costumes etc., onde todas as escolhas individuais se ajustam entre si, e nenhuma é jamais rejeitada. Eu diria que, neste momento, a extensão da área em que se julgam necessárias ou mesmo adequadas, as decisões de grupo, tem sido brutalmente superestimada, e que a área na qual o ajuste espontâneo dos indivíduos tem sido considerado necessário ou apropriado, tem estado muito mais severamente circunscrita do que o recomendável, se queremos preservar os significados tradicionais da maior parte dos grandes ideais do Ocidente. 

Proponho que os mapas dessas áreas mencionadas sejam novamente traçados, visto que muitas terras e mares parecem hoje estar indicados em lugares onde, pelos mapas antigos clássicos, não havia nada marcado. Suspeito também, se me permitem continuar com a metáfora, que existem sinais e marcas nos mapas de hoje, que na verdade não correspondem a qualquer terra recém-descoberta, e que algumas terras não devem estar localizadas onde, graças à imprecisão de geógrafos do mundo político, foram colocadas. Com efeito, algumas das indicações que aparecem nos mapas políticos de hoje são apenas pequenas manchas sem nada de real por trás, e nosso comportamento em relação a elas é análogo ao daquele capitão que tomou por uma ilha, em seu mapa, uma marca deixada por uma mosca alguns dias antes e ficou procurando essa tal “ilha” no oceano. 

Ao refazer esses mapas das áreas ocupadas respectivamente pelas decisões de grupo e por decisões individuais, devemos levar em conta o fato de que as primeiras incluem decisões do tipo tudo ou nada, como teria dito o professor Buchanan, enquanto que as últimas envolvem decisões articuladas compatíveis — senão complementares — com outras decisões. 

Uma regra de ouro nessa reforma — a não ser que eu esteja errado — deve ser a de que todas as decisões individuais que provaram não serem incompatíveis entre si sejam substituídas pelas correspondentes decisões nas quais erroneamente se supunha haver incompatibilidades. Seria tolice, por exemplo, submeter os indivíduos a uma decisão de grupo em questões como a de escolher entre ir ao cinema ou dar um passeio, quando não há incompatibilidade entre essas duas formas de comportamento individual. 

Os defensores das decisões de grupo — por exemplo, o da legislação — estão sempre inclinados a pensar que, neste ou naquele caso, as decisões individuais são mutuamente incompatíveis, que as questões em jogo são necessariamente do tipo “tudo ou nada”, e que a única forma de fazer uma escolha final é adotar um procedimento coercivo, como a regra da maioria. Essas pessoas pretendem ser os defensores da democracia. Mas devemos sempre nos lembrar de que, toda vez que a regra da maioria desnecessariamente substituir a escolha individual, a democracia estará em conflito com a liberdade individual. 

Esse é o tipo de democracia que deve ser mantido ao mínimo, a fim de se preservar um máximo de democracia compatível com a liberdade individual. Certamente, seria necessário evitar, já de saída, mal-entendidos na reforma que estou propondo. A liberdade não poderia ser concebida indiferentemente como “liberdade de desejo” e “liberdade contra os homens”, da mesma forma como a coerção não deve ser entendida como “coerção” exercida por pessoas que não tenham feito absolutamente nada para constranger alguém. Essa determinação das várias formas de comportamento e decisões para se estabelecer a área à qual elas pertencem e ali as localizá-las, se feita de forma consistente, envolveria, obviamente, uma grande revolução no campo das constituições atuais e do direito administrativo e legislativo. Essa revolução consistiria sobretudo no deslocamento de regras da área da lei escrita para a da lei não escrita. Nesse processo de deslocamento, deve ser dada muita atenção ao conceito de efetividade da lei entendido como efetividade de longo prazo, para tornar possível aos indivíduos fazerem escolhas livres, não só no presente, mas também no futuro. No processo, a judicatura deve ser separada tanto quanto possível de outros poderes, como em Roma e na Idade Média, quando o jurisdictio era separado do imperium o máximo possível. A judicatura deve se empenhar muito mais em descobrir o que é a lei do que em impor às partes da disputa o que os juízes querem que a lei seja. 

O processo de formulação das leis deve ser modificado, para se tornar um processo principalmente, senão apenas, espontâneo, como o do comércio, o da fala ou o de manter outras relações compatíveis e
complementares entre os outros indivíduos. 

Pode-se objetar que uma reforma dessas seria equivalente à criação de um mundo utópico. Mas esse mundo, considerando tudo, certamente não foi utópico em vários países e em várias épocas da história, algumas das quais ainda não desapareceram totalmente da memória das gerações vivas. Por outro lado, talvez seja muito mais utópico se continuar a formular apelos a um mundo onde antigos ideais estão perecendo, e apenas velhas palavras permanecem, como conchas vazias que qualquer um pode encher com seus significados favoritos, sem se importar com o resultado final."

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