sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Como a intervenção estatal cria conflitos.


 Virou moda afirmar que "conservadores" como John C. Calhoun (1782-1850) "previram" a doutrina marxista de exploração de classes.  Mas a doutrina marxista sustenta, erroneamente, que no livre mercado há "classes" cujos interesses colidem e conflitam.  A percepção de Calhoun era quase o oposto disso.  Ele viu que era a intervenção estatal que criava, por si mesma, as "classes" e o conflito[1].  Calhoun se deu conta disso, em especial, no caso da intervenção binária dos impostos, pois viu que o montante arrecadado em impostos é empregado em gastos e que alguns indivíduos na comunidade deveriam ser contribuintes finais dos fundos fiscais, enquanto outros, recebedores finais.  Calhoun definiu os recebedores como "classe dominante" de exploradores e os contribuintes como explorados ou classe "dominada"; e a distinção é bastante convincente.  Eis como Calhoun brilhantemente demonstrou sua análise:

Mesmo sendo poucos se comparados com a comunidade, os agentes e funcionários do governo constituem uma parcela composta, exclusivamente, de beneficiários da receita dos impostos.  Qualquer montante arrecadado da comunidade na forma de impostos, se não for perdido, volta para eles como despesas ou bens publicamente financiados.  Ambos — financiamentos e tributação — constituem a ação fiscal do governo.  São mutuamente dependentes.  O que é arrecadado da comunidade sob a forma de imposto é transferido para aquela parte que é beneficiada com tais financiamentos.  Mas como os beneficiários constituem apenas uma parte da comunidade, entende-se que, tomando as duas partes do processo fiscal, a ação deva ser desigual entre os que pagam impostos e os que recebem a receita deles proveniente.  Nem poderia ser diferente, a menos que o montante arrecadado de cada indivíduo sob a forma de impostos retornasse para o próprio na forma de financiamentos, o que tornaria o processo inútil e absurdo. [...]
Sendo esse o caso, entende-se necessariamente que uma parte da comunidade deva pagar uma quantia em impostos maior do que o valor recebido de volta em bens publicamente financiados, enquanto outra parte recebe em financiamentos mais do que pagou em impostos.  É evidente, então, levando em conta todo o processo, que os impostos sejam, na realidade, benesses para a parcela da comunidade que recebe mais bens publicamente financiados do que paga em impostos, ao passo que aos que pagam mais impostos do que recebem em financiamentos públicos, tais despesas são verdadeiros impostos — ônus e não liberalidades.  Esta consequência é inevitável, e resulta da natureza do processo, ainda que os impostos sejam distribuídos da maneira mais equilibrada possível. [...]
Então, o resultado inevitável da desigual ação fiscal do governo é dividir a comunidade em duas grandes classes: a daqueles que, na realidade, pagam impostos e, é claro, suportam de maneira exclusiva o encargo de sustentar o governo; e a outra daqueles que recebem o montante arrecado por meio de bens publicamente financiados e são, na verdade, sustentados pelo governo; ou, em poucas palavras, classes de dos pagadores de impostos e dos consumidores de impostos.
Entretanto, o resultado disso é colocá-las em relações antagônicas face à ação fiscal do governo e a todo o curso da política imediatamente decorrente.  Pois, quanto maiores forem os impostos e financiamentos públicos, maior será o ganho de um e a perda de outro, e vice-versa[2].


[1]  O termo "castas" seria mais bem empregado aqui do que "classes".  Classes são grupos de pessoas com certas características em comum.  Não há razão para entrarem em conflito entre si.  A classe de homens que se chamam Jones não precisa entrar, necessariamente, em conflito com a classe de homens que se chamam Smith.  Por outro lado, castas são grupos criados pelo estado, cada qual com seu próprio conjunto de privilégios e tarefas estabelecido por meio de violência.  Castas entram necessariamente em conflito porque algumas são instituídas para dominar as outras.

[2] CALHOUN, John C. A Disquisition on Government. New York: Liberal Arts Press, 1953. pp. 16-18.  No entanto, Calhoun não entendeu a harmonia de interesses no livre mercado.

Titulo do original inglês: Power and Market: Government and the Economy 
Autor: Murray N. Rothbard






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