Todos ouvimos muitas coisas a respeito da propriedade "pública". Onde quer que, de fato, o governo tenha propriedade ou mantenha um empreendimento, dizem se tratar de uma "propriedade pública". Quando recursos naturais são vendidos ou dados a empresas privadas, aprendemos que o "domínio público" foi "entregue" aos estreitos interesses privados. A inferência é que quando o governo é dono de qualquer coisa, "nós" — todos os membros do público — possuímos uma parcela igual daquela propriedade. Diferem desse longo alcance os interesses inferiores e limitados da mera propriedade "privada".
Como vimos, uma vez que o sistema econômico socialista não pode fazer o cálculo econômico, um socialista obstinado deve estar preparado para testemunhar o desaparecimento de grande parte da população do planeta, restando aos sobreviventes apenas um meio de vida primitivo. Ainda, aquele que identifica propriedade do governo com propriedade pública deve ficar feliz em ampliar a área da propriedade governamental, não obstante a perda de eficiência ou a vantagem social que aquela ocasiona.
Todavia, a própria identidade é totalmente falaciosa. Propriedade é o controle e direção supremos de um recurso. O proprietário é o gestor supremo, independente das ficções legais ao contrário. Na sociedade de totalmente livre, os recursos demasiado abundantes que servissem como condições gerais de bem-estar humano permaneceriam sem dono. Recursos escassos, por outro lado, seriam apropriados de acordo com os seguintes princípios: propriedade da pessoa sobre si mesma; propriedade daquilo que foi criado ou transformado pela pessoa; propriedade de terra devoluta pelo primeiro usuário ou transformador. Propriedade do governo significa simplesmente que os funcionários públicos que estão no poder são os que a possuem. Os funcionários superiores são os que dirigem o uso da propriedade e, por isso, são os "donos". O "público" não tem nenhuma parcela da propriedade. Qualquer cidadão que duvide disso pode tentar apropriar-se, para uso individual, de sua alíquota de propriedade pública e então tentar levar o caso aos tribunais. Pode ser feita a objeção de que os acionistas das empresas também não podem fazer isso, por exemplo, pelas regras da empresa, o acionista da General Motors não pode apoderar-se de um carro em vez de dividendos em dinheiro ou em troca das ações. No entanto, os acionistas realmente são donos da empresa, e esse exato exemplo prova a nossa argumentação. O acionista pode desvencilhar-se da empresa; ele pode vender as ações da General Motors para outra pessoa. O cidadão de um governo não podedesvencilhar-se do governo; ele não pode vender suas "ações" dos correios porque não possui tais ações. Como sucintamente afirmou Floyd A. Harper (1905-1973): "O corolário do direito de propriedade é o direito de transferência. Assim, se não posso vender uma coisa, é evidente que, na verdade, não a possuo"[17].
Qualquer que seja a forma do governo, os dirigentes são os verdadeiros donos da propriedade. Entretanto, em uma democracia, ou no longo prazo, em qualquer forma de governo, os dirigentes são transitórios. Sempre podem perder uma eleição ou ser derrubados por um golpe de estado. Por isso, nenhum funcionário do governo se vê como algo mais que um possuidor transitório. Como resultado, enquanto o proprietário privado, seguro em sua propriedade e possuidor do valor do capital, planeja o uso de seu recurso por um longo período de tempo, o funcionário do governo deve explorar a propriedade o mais rápido que puder, já que sua propriedade não está assegurada. Além disso, até mesmo o servidor público mais inveterado deve fazer a mesma coisa, pois nenhum funcionário do governo pode vender o valor capitalizado da "propriedade" que detêm, como o fazem os proprietários privados. Em suma, os funcionários do governo detêm o uso dos recursos, mas não o valor de capital dos mesmos (exceto no caso da "propriedade privada" de um monarca hereditário). Quando a pessoa só pode dispor do uso corrente, mas não o recurso em si, o resultado será a rápida exaustão e desperdício dos recursos, já que não beneficiará a ninguém conservá-los por um período de tempo e a vantagem para quem os possui é utilizá-los o mais rápido possível. Desse modo, os funcionários do governo consumirão o que lhes couber, o mais rápido possível.
É curioso que quase todos os autores papagueiam a noção de que proprietários privados que possuem preferência temporal devem seguir uma "visão de curto prazo", ao passo que somente os funcionários do governo podem seguir uma "visão de longo prazo" e alocar a propriedade para aumentar o "bem-estar geral". A verdade é o exato oposto. O indivíduo privado, seguro de sua propriedade e do recurso de seu capital, pode optar pelo longo prazo, pois quer manter o valor de capital de seu recurso. É o funcionário público que perde por esperar, que deve saquear a propriedade enquanto ainda está no comando[18].
[17] HARPER, F. A. Liberty, a Path to Its Recovery. Irvington-on-Hudson: Foundation for Economic Education, 1949. pp. 106, 132. Ver também: PATERSON. God of the Machine. pp. 179ss. Isabel Paterson travou uma discussão estimulante a respeito das "duas dimensionalidades" – a negligência das verdadeiras condições – na teoria da propriedade coletiva.
[18] Aqueles que objetam ao dizer que os indivíduos privados são mortais, mas os "governos são imortais", caem na falácia do "realismo conceitual" no grau máximo. O "governo" não é uma verdadeira entidade agente, mas é uma categoria de ação real adotada por indivíduos verdadeiros. É um nome para um tipo de ação, a regularização de um tipo de relação interpessoal e não é, ele mesmo, um ser que age.
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